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O Silêncio Que Fala Alto: A Complacência de O Globo e o Preço da Publicidade Oficial

O Silêncio Que Fala Alto: A Complacência de O Globo e o Preço da Publicidade Oficial

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rússia, durante as comemorações do “Dia da Vitória” em Moscou, provocou reações duras nos principais jornais paulistas.

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Tanto o Estadão quanto a Folha de S.Paulo condenaram, com contundência editorial, o gesto de confraternização com Vladimir Putin, em pleno solo russo. Para eles, Lula não apenas cruzou uma linha simbólica, mas selou, diante do mundo, uma escolha diplomática: preferiu estar entre autocratas do que manter a neutralidade que tanto prega.

A Folha foi direta: classificou a viagem como “erro diplomático patente” e criticou a deferência prestada a um líder acusado de crimes de guerra e violações de direitos humanos. O Estadão foi ainda mais incisivo: definiu o episódio como “o dia da infâmia da política externa brasileira”. Para os dois maiores vespertinos paulistas, a presença de Lula na Praça Vermelha, ladeado por ditadores latino-americanos enquanto desfilavam mísseis que hoje destroem cidades ucranianas, foi um manifesto — não um deslize.

Mas nem toda a grande imprensa seguiu o mesmo tom. O Globo, tradicionalmente firme em seus posicionamentos institucionais, adotou uma postura surpreendentemente tímida. Publicou um editorial antes da visita, em tom diplomático, e evitou qualquer crítica direta após as imagens de Lula ao lado de Putin ganharem o mundo. Nem a cena do presidente brasileiro diante dos tanques foi suficiente para motivar um novo posicionamento crítico por parte do jornal da família Marinho.

O silêncio estranhamente conveniente levanta questões inevitáveis. Segundo levantamento da VEJA, entre 2023 e 2024, a Rede Globo recebeu R$ 177,2 milhões em verbas de publicidade da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo Lula — valor superior ao total recebido durante todo o governo Bolsonaro. Em 2024, sozinha, a emissora abocanhou 53% do montante destinado às principais TVs do país.

Coincidência ou não, o lucro da Globo disparou: um salto de 138% em 2024, atingindo a marca dos R$ 2 bilhões, conforme reportado pelo portal Teletime. O contraste entre os números milionários e o silêncio editorial diante de um episódio de enorme repercussão internacional é eloquente demais para passar despercebido.

Quando a crítica custa caro, a complacência vira investimento. A relação financeira entre o governo e a maior emissora do país lança sombras sobre a independência de uma imprensa que sempre se apresentou como baluarte da democracia. A questão não é apenas editorial — é sistêmica. Quando o Estado financia a narrativa, a pluralidade perde espaço. Quando o governo compra o microfone, a voz da sociedade se cala.

Mais do que omissão, o comportamento de O Globo revela um risco estrutural à liberdade de imprensa no Brasil: o uso da verba pública como ferramenta de influência e alinhamento. Nesse cenário, a crítica vira concessão, o silêncio se transforma em contrato, e o jornalismo independente perde sua razão de ser.

Enquanto isso, nas redes sociais — onde não há verba da Secom e nem contratos de publicidade estatal — vozes livres continuam a incomodar. São opiniões sem filtro, sem patrocínio, sem blindagem. E é justamente por isso que resistem. Porque onde o dinheiro público não chega, a liberdade ainda floresce.

A imprensa tem o dever de ser contrapeso, não escudo. Quando falha em denunciar o poder, torna-se cúmplice dele. E quando se deixa comprar, quem paga a conta é o cidadão — com desinformação, distorção e silêncio.

Mesmo assim, há quem ainda fale. Quem escreva sem medo, critique sem amarras e publique sem patrocínio. São essas vozes que mantêm acesa a centelha da liberdade. Porque, no fim, o eco não é a única forma de som — e a verdade não precisa de contrato para existir.

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